Vivo há uns anos com o meu gajo.
Desde que começámos a passar tempo juntos nunca houve preocupação de nenhuma
das partes em perceber o que eramos, nunca tivemos “a” conversa sobre o rumo
das coisas ou de quais as intenções enterradas na sentimentalidade de cada um.
Houve sempre, sim, muita transparência. Eu gostava dele, ele de mim, e por isso estávamos juntos. Combinávamos jantares, cafés, cinemas, copos (sozinhos ou com
amigos), sem etiquetas de quem paga o quê ou de quem abre a porta a quem.
Fomo-nos encantando um pelo outro no tempo que passávamos e acho que percebemos
oficialmente que eramos namorados numa noite de copos em que a pergunta nos foi
dirigida, entre risota geral o nosso segredo cúmplice
tinha sido descoberto e a resposta mais que óbvia, sim. Nunca festejámos
aniversários de casal, e ainda hoje quando me perguntam há quantos anos estamos
juntos tento situar-me em acontecimentos paralelos da altura. Conversamos
muitas vezes sobre as coisas que se passaram, com um brilhozito nos olhos, a
nostalgia surge à luz dessas situações que vivemos e que deixam muitas saudades.
Os amigos deixaram de se surpreender, à força do hábito, pelo nosso
funcionamento. Mas ainda mandam uma ou outra laracha pelas noites especiais
todas as semanas (às vezes mais do que uma vez por semana), noites reservadas
apenas a nós, for no special reason, só porque sabe bem assim. Gostamos de
conviver com os amigos, é algo de que nunca vamos prescindir. Mas também gostamos
de estar sós, de viver momentos a dois, continuamos a rir que nem putos e a
apanhar pielas juntos, a acarinhar-nos e apreciar quem está ao nosso lado. E claro
que temos as nossas brigas, que não são bem brigas mas amuos, quando não cedo
eu cede ele e vice-versa. Posso dizer que o amor ainda não parou de crescer, é
uma planta. E que entre as relações que tive é a mais adulta por valorizar o
essencial e deixar de fora o supérfluo.
Por toda a blogosfera aparecem os planos cor de rosa alheios para o dia dos namorados, as prendas fabulásticas para comprar à cara metade, os ursos pirosos
nas montras, as frases foleiras escarrapachadas em cartões, os solteiros que
saiem com solteiros para celebrar a “solteirice” e eu não vou mexer nem uma
palha para alimentar esta loucura plástica de um dia instituído para ser “nosso”
que não nos diz rigorosamente nada, nem diz rigorosamente nada sobre nós. Não
preciso de um dia como o de amanhã para lhe dar coisas especiais, para lhe
dizer coisas especiais ou para fazer coisas especiais. Já o
fazemos durante os outros dias do ano. Está à vista nos gestos que
trocamos, na nossa cumplicidade, intimidade, na vida que partilhamos. Por isso passaremos o dia de amanhã a ser o que somos, todos os dias.